Nelson D. Schwartz
Se existe algum lugar no mundo em que ainda seja indelicado exibir um BlackBerry ou um iPhone, é no encontro anual de analistas da Nokia. Porém, no início deste mês, enquanto os executivos da empresa apresentavam os planos para 2010, a mensagem otimista do palco contradizia o comportamento da plateia. Nos fundos do recinto, vários administradores de investimentos distraidamente brincavam com um aparelho da concorrência, normalmente um BlackBerry, mesmo enquanto slides de PowerPoint promoviam as últimas ofertas da Nokia.
"Que bobagem", sussurrou Francois Meunier, analista da Cazenove, de Londres, enquanto tentava chamar a atenção de um dos auxiliares que estavam entregando os microfones na sessão de perguntas e respostas. Finalmente chegou a vez de Meunier, mas, antes de realmente fazer a pergunta, ele não resistiu em declarar publicamente o que ficou resmungando a tarde inteira. "Não acho que tenha alguém aqui nesta sala que espere uma melhora de receita no ano que vem", disse aos executivos reunidos, antes de perguntar se o dividendo de 4% da Nokia era sustentável. O comentário pessimista de Meunier a respeito das perspectivas para 2010 da outrora poderosa fabricante de celulares surge após um 2009 igualmente sombrio, ano que a companhia gostaria de esquecer o quanto antes. Apesar da Nokia, sediada em Espoo, nas proximidades de Helsinki, ainda comandar 37% do mercado mundial de portáteis, ela enfrenta uma concorrência contundente no lucrativo segmento superior do setor, onde o iPhone da Apple e o BlackBerry da Research in Motion aproveitaram a capacidade descolada dos smartphones de navegar na web e trocar e-mails. "Toda a experiência de usuário é um pesadelo", lamenta Nick Jones, analista sênior da Gartner, que acompanha o setor de tecnologia. "Não é em nenhum sentido uma experiência que possa concorrer com o iPhone". Olli-Pekka Kallasvuo, o taciturno chefe-executivo da companhia, admite que o clima está ruim, especialmente em Wall Street. "Não estamos tendo o benefício da dúvida", disse em entrevista no dia seguinte ao encontro com os analistas. "Precisamos mudar isso". Os problemas da Nokia são especialmente graves na América do Norte, onde sua influência sobre os smartphones equivale a míseros 3,9%, em comparação a 51% da Research in Motion e 29,5% da Apple, de acordo com a Gartner. Em 10 de dezembro, como se ressaltando seus problemas nos Estados Unidos, a Nokia anunciou que fecharia suas principais lojas em Nova York e Chicago. "Tomamos decisões erradas no mercado americano", afirma Kai Oistamo, vice-presidente-executivo para aparelhos. Por exemplo, a Nokia foi lenta na transição para os celulares com flips, insistindo em modelos "monoblocos" mesmo enquanto consumidores os abandonavam. E quando a Nokia passou a oferecer a tecnologia touchscreen em 2004 - três anos antes do lançamento do iPhone -, os modelos da Apple rapidamente fizeram os produtos concorrentes da Nokia parecerem enfadonhos. A maioria dos celulares touchscreen da Nokia não tem a possibilidade de transformar a tela com o toque de um dedo, um dos fatores que fazem o iPhone parecer tão mais inteligente. Até recentemente, segundo tanto executivos da Nokia quanto especialistas do setor, a companhia não queria produzir telefones desenvolvidos especificamente para a preferência do consumidor americano e resistia aos pedidos de grandes operadoras para disponibilizar celulares orientados para sua marca e especificações individuais. "O mercado nos Estados Unidos sempre foi dominado pelas operadoras, então elas dão as cartas", diz Carolina Milanesi, da Garner. "E a Nokia teve um relacionamento difícil com as operadoras". A Nokia também teve problemas com seu ponto fraco tradicional: celulares com CDMA, a tecnologia sem fio disponibilizada por Sprint e Verizon Wireless e usada por aproximadamente 50% dos consumidores americanos. (A atual linha de produtos da Sprint não inclui nenhum modelo Nokia.) Ao invés disso, a Nokia se focou em celulares GSM para a AT&T e a T-Mobile. No entanto, o acordo exclusivo entre AT&T e Apple prejudicou a Nokia no segmento superior do mercado de smartphones. E apesar de vender muitos smartphones em outras partes do mundo, sua participação global nesse mercado caiu de 42,3% no ano passado para 39,3%. Mesmo na base principal da Nokia na Europa, o iPhone ganha popularidade rapidamente. A Nokia finalmente está respondendo - seu ágil E72, semelhante a um BlackBerry, apareceu na última quinta-feira nos Estados Unidos -, mas enfrenta grandes ameaças em outros segmentos. A Google está oferecendo o Android, um rival para o próprio sistema operacional da Nokia e adotado por concorrentes como HTC, Motorola e Dell, enquanto fabricantes asiáticos aumentam a pressão oferecendo portáteis baratos nas economias emergentes em que a Nokia sempre desfrutou de liderança folgada. Enquanto isso, Apple e Nokia travam uma batalha legal sobre patentes. "A Nokia está enfrentando concorrência de todos os lados", diz Sherief Bakr, analista do Citigroup. "No segmento superior, da Apple; no intermediário, da Research in Motion; e no inferior, de coreanos e chineses". Como um todo, é o bastante para deixar o clima tão sombrio quanto um dia de dezembro em Helsinki, onde o sol luta para atravessar o horizonte às 9h e a noite cai às 16h. Outrora a queridinha do mercado acionário, as ações da Nokia caíram 20% desde setembro, mesmo enquanto o mercado mais amplo se animava. Em outubro, a empresa anunciou seu primeiro prejuízo trimestral em mais de uma década, depois de uma redução de US$ 1,3 bilhão em seu setor de equipamentos. Na Finlândia, os problemas da Nokia são sentidos de forma especialmente pungente. A Nokia corresponde a 25% da capitalização do mercado de ações de Helsinki e a um terço de todo gasto com pesquisa e desenvolvimento da Finlândia, de acordo com Jyrki Ali-Yrkko, do Instituto de Pesquisa da Economia Finlandesa. Mais profundo que os números, porém, foram os danos à imagem da Nokia como uma fonte de orgulho no país historicamente conhecido por exportar madeira e papel, não alta tecnologia. As origens da Nokia remetem a 1865, e até a década de 1980 seus produtos incluíam não só cabeamento e equipamento de telecomunicações, mas também botas de borracha e papel higiênico. Mas no início da década de 1990, os vários negócios se dividiram em favor do setor crescente de celulares. Em meados dos anos 1990, os lucros fluíam sob a gestão de Jorma Ollila, seu ex-chefe-executivo e atual presidente. A Nokia rapidamente se tornou uma das raras histórias de sucesso tecnológico da Europa, uma exceção em uma indústria dominada por gigantes americanos e japoneses. E num país nórdico tradicional e social-democrata onde ostentações de riqueza não são bem vistas, centenas de funcionários de longa data se tornaram milionários da Nokia, conta Ali-Yrkko. "A Nokia tem sido a nau capitânia da Finlândia em termos de uma companhia de sucesso em escala global", diz ele. "Mas aquele senso de glória que tínhamos desapareceu, ou pelo menos diminuiu". Os problemas chegaram até os cofres nacionais do país. Em 2007, a Nokia pagava 18% do total de impostos corporativos da Finlândia, mas isso caiu para 9% no ano passado e deve cair ainda mais em 2009. O governo finlandês talvez precise aumentar sua dívida para compensar a queda, alerta Ali-Yrkko. Formado em direito, o CEO Kallasvuo é um líder muito mais cauteloso do que seu predecessor, o carismático Ollila, que alguns finlandeses pensavam que entraria na política depois de deixar o cargo de chefe-executivo em 2006. Às vezes, Kallasvuo parece inquieto quando pressionado a expressar sua visão para o futuro da Nokia, e seguidas frustrações de ganhos fizeram analistas se perguntarem se seu estilo austero é do que a empresa precisa em um novo ciclo de concorrência. "O mercado acredita que essa é uma administração que não consegue e não vai agir", diz Bakr. "Existe um grande número de investidores que não estão convencidos de que Kallasvuo seja o homem que pode fazer essa transição e competir com iguais como Steve Jobs". Apesar do pessimismo externo, Kallasvuo insiste que os ânimos ainda são otimistas dentro da companhia. "Competição não é uma coisa nova; fomos atacados por muitos outros antes", diz ele. E embora o desempenho do último trimestre tenha sido "difícil para mim e para o diretor financeiro, não foi um momento difícil para um animado engenheiro da Nokia que quer mudar o mundo". Se Olli-Pekka Kallasvuo parece ter saído de um filme de Ingmar Bergman, então o carisma e os traços de Anssi Vanjoki lembram um Michael Douglas. Um veterano com 18 anos na Nokia, ele é o vice-presidente-executivo para mercados e também um tipo que se destaca da cultura geek da empresa. Em um país onde multas por velocidade são diretamente relacionadas à renda em escala decrescente, ele conseguiu uma multa de 116 mil euros (US$ 170 mil) correndo com sua motocicleta por Helsinki, embora tenha conseguido negociar uma redução desse valor. Muito mais energético que Kallasvuo, ele não quer admitir que a Nokia perdeu sua vantagem competitiva. "Não perdemos nossa capacidade de inovar, não perdemos nossa capacidade de entender de verdade o consumidor e criar soluções intuitivas para ele", afirma Vanjoki. De fato, apesar de toda nova concorrência nos smartphones, a Nokia continua dominando os celulares convencionais, vendendo quase 15 telefones por segundo no mundo, de acordo com a empresa, inclusive o Nokia 1201, um modelo básico que é sucesso de vendas. Para 2010, os analistas preveem uma receita de US$ 60 bilhões, com lucros esperados de US$ 3,5 bilhões, enquanto o mercado de celulares cresce 10%. E apesar de sua participação de mercado ser minúscula na América do Norte, a empresa comanda colossais 62,3% no mercado do Oriente Médio e África, assim como 48,5% no Leste Europeu e 41,8% na Ásia. "Somos o gigante consolidado da arena portátil", alardeia Vanjoki. Além disso, a Nokia já fez reduções antes. Vanjoki cita crises em 1998 (o advento de celulares menores), 2001 (o estouro da bolha tecnológica) e 2004 (a súbita popularidade dos celulares com flip). "Sempre atingimos pontos onde a tecnologia não avançou mais e precisou ser reconfigurada". Então por que a Nokia não se move mais rápido para conter a Apple e a Research in Motion nos smartphones? "Não agimos porque estamos visando a uma comunidade mais geek", diz. "A Apple é feita para o homem comum. É mais para o homem das ruas do que para os geeks tecnológicos. Mas também entendemos o homem comum". Os próximos 12 meses vão mostrar se a confiança de Vanjoki é fundamentada, e para os acionistas é bom que ele esteja certo, já que os smartphones são onde o crescimento está. Até 2013, a Gartner prevê que as vendas de smartphones correspondam a 82,5% do negócio de telefones celulares da Europa Ocidental, 58% da América do Norte e 18,2% da Ásia. No terceiro trimestre, a Nokia gerou no mundo US$ 5,6 bilhões em vendas de celulares convencionais e US$ 4,6 bilhões em smartphones. Os executivos da Nokia dizem que novos produtos como o N900, que é tanto um computador portátil quanto um telefone, ou o N97 Mini, que combina tecnologia touchscreen e teclado, vão recuperar o agito da Apple e do BlackBerry ao atrair 1,1 bilhão de consumidores para a empresa. Além disso, há o X6, lançado este mês, que inclui o plano Comes With Music, que permite que usuários escolham entre milhões de músicas disponíveis para download gratuito na Music Store da Nokia. Outro desdobramento crucial em 2010, segundo Kallasvuo, será um maior impulso sobre o mercado norte-americano, enquanto a Nokia se aproxima de operadoras e oferece mais smartphones. "Não investimos o bastante lá", diz ele. "É uma necessidade para nós". Embora ainda seja segredo, os executivos da Nokia também prometem um smartphone para o ano seguinte que vai atualizar seu envelhecido sistema operacional Symbian, combinando o frescor do touchscreen do iPhone com a solução para e-mails do BlackBerry. "Pretendemos dar trabalho à R.I.M.", afirma Kallasvuo. E embora as lojas Nokia nos Estados Unidos estejam fechando, a gigante finlandesa ainda tentará competir diretamente com a Apple na internet, abrindo a Ovi ("porta" em finlandês) em maio para concorrer com a extremamente bem-sucedida App Store da Apple. Mais adiante, os engenheiros da Nokia prometem novos recursos engenhosos como a possibilidade de simplesmente apontar o aparelho em direção a um amigo para se conectar à página do Facebook da pessoa. Apesar de todos os erros da Nokia, Bakr, do Citigroup, afirma que a empresa pode se recuperar. "Estando em Londres ou Nova York, você não leva em consideração a dinâmica da imensa participação de mercado da Nokia, principalmente nas economias emergentes", diz. "Acho que eles sabem onde erraram e o que precisam fazer para consertar. Basta saber se eles conseguem agir em tempo".
Tradução: Amy Traduções
The New York Times
0 comentários:
Postar um comentário