Os jornalistas estão se preparando para o próximo grande evento da Apple, a Worldwide Developer's Conference, em junho, na qual é bastante provável que lhes seja exibida a próxima geração do iPhone. Mas talvez as filas sejam menores do que costumam, e não apenas porque acabamos de ver o novo modelo por dentro, quando um blog exibiu fotos de um protótipo duas semanas atrás. Também tivemos um feio vislumbre de como a companhia opera.
Depois que o Gizmodo, o blog de engenhocas eletrônicas controlado pela Gawker Media, pagou US$ 5 mil para obter um iPhone de próxima geração que um desafortunado engenheiro da Apple esqueceu em um bar do Vale do Silício, as coisas começaram a ficar feias na terra das engenhocas.Agentes do xerife do condado de San Mateo, na Califórnia, invadiram o escritório caseiro de um jornalista e confiscaram computadores. A Apple não conduziu a invasão, mas aparentemente apresentou uma queixa ¿ e não solicitando a devolução do aparelho, que voltou às mãos da empresa, mas sim informações.
De acordo com reportagem da revista online Wired, em determinado momento pessoas que se identificaram como representantes da Apple visitaram a casa do homem que aparentemente estava tentando vender o celular, pedindo para revistar o local.
Talvez a lei esteja do lado da Apple e da equipe de combate rápido a crimes de computação, a agência policial californiana que cumpriu o mandado de busca. (A Apple conta com um representante no conselho de supervisão da agência.)
Talvez o Gizmodo tenha participado de um crime de roubo ao pagar US$ 5 mil pelo aparelho e publicar fotos e vídeos mostrando seu interior.
Talvez Jason Chen, o responsável pelo blog Gizmodo que perdeu quatro computadores e dois servidores quando a política revistou seu escritório na semana passada, não conte com a proteção da lei estadual californiana cujo objetivo é impedir que autoridades apreendam o equipamento de trabalho de um jornalista sem mandado específico (o assunto está sendo debatido, e por isso a polícia e os promotores do condado adiaram qualquer investigação do conteúdo das máquinas).
Mas é um número exagerado de suposições, e não importa de que modo os aspectos legais do assunto sejam resolvidos, a impressão que o incidente causa é péssima para a Apple. Qualquer pessoa dotada de um kilobyte de bom senso poderia ter dito a Steve Jobs que os cinco minutos de satisfação propiciados pela apresentação da queixa contra um jornalista seriam seguidos por muito sofrimento.
Os executivos da Apple muitas vezes se comportam como se o controle e custódia definitivos das informações estivesse em suas mãos, e a companhia se esforça ao máximo para proteger seus interesses. Mas apesar de todas as suas espetaculares realizações, a Apple vem exibindo notável surdez quanto ao episódio em questão. Porque a Apple está se tornando uma empresa de mídia e não só de tecnologia, a agressividade ao estilo Vale do Silício que ela costuma exibir está se voltando contra as suas ambições mais amplas.
Para o iPad, a Apple está ansiosa por formar parcerias com fornecedores de conteúdo, mas essa é mais uma área na qual suas decisões parecem provenientes de caprichos e pirraças. A edição de trajes de banho da revista Sports Illustrated? Você pode instalar um aplicativo para isso em seu iPhone. Mas o Dirty Fingers, um aplicativo mostrando uma moça escassamente vestida que limpa a tela do aparelho? Proibido.
Um guia e lista telefônica para os estabelecimentos e organizações da comunidade gay de Nova York e as caricaturas de figuras públicas produzidas por um cineasta conservador também foram rejeitados. E o aplicativo de Michael Wolff, especialista em conquistar a atenção da mídia e desafeto de Jobs? Vetado.
O aplicativo para cartunistas que estavam se divertindo com a história de Tiger Woods foi bloqueado, mas um programa semelhante para desenhos que mostram o presidente dos Estados Unidos pode funcionar. E o aplicativo de cartuns políticos de Mark Fiore havia sido rejeitado mas terminou subitamente aprovado depois que o desenhista ganhou um prêmio Pulitzer.
Vocês estão percebendo o padrão? Eu tampouco. Como consumidor e admirador da inventividade crônica da Apple, tudo isso incomoda.
O iPad, um aparelho lindo para o consumo de conteúdo, se tornou uma espécie de símbolo do hermético reino da Apple. Completamente selado, ele não tem quaisquer portas para inserção de conteúdo e só funciona com conteúdo que precisa ser comprado via Apple.
Ele também permite acesso generalizado à web, desde que o site não use o software Adobe Flash, que Jobs considera deficiente. A ranzinzice quanto ao Flash traz de novo à baila a questão do controle, de desejar domínio sobre todos os aspectos da experiência do consumidor.
Em termos mais amplos, o comportamento exibido pela Apple e suas escolhas quanto ao caso Gizmodo ameaça interromper o idílio entre a empresa e uma imprensa que a idolatra, e que sempre respeitou os esforços frenéticos de preservação de sigilo e contemplou com reverência aquilo que a companhia costumava revelar.
O apego da mídia à Apple sempre foi um caso de amor não correspondido. A companhia não tem relacionamento estreito com muitos jornalistas, e costuma responder a qualquer consulta com um "sem comentário". Ela já abriu, sem sucesso, processos contra blogs que acreditava terem violado seus segredos, e importantes organizações noticiosas como a Wired foram excluídas dos eventos da empresa devido a cobertura considerada como desrespeitosa.
A batida contra o escritório de Chen só agrava as tensões.
"Quando cheguei em casa, encontrei a porta da garagem semiaberta", ele disse em carta postada no Gizmodo. "Quando tentei entrar, agentes policiais saíram e disseram ter um mandado de busca para minha casa e veículos e propriedades 'em meu controle'. Depois, fizeram com que eu colocasse as mãos por trás da cabeça para garantir que eu não tinha armas ou objetos pontiagudos em minha posse".
A Apple tem um admirável histórico de inovação e desempenho no mercado, mas dessa vez a companhia e Jobs estão atraindo atenção pelo motivo errado.
Todo mundo sabe que ele manda. Mas ao usar a força da lei em defesa de seus interesses empresariais, Jobs pode nos levar a pensar de outro modo sobre o crescente domínio cultural da Apple.
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